segunda-feira, 2 de novembro de 2020

"Para podermos nos considerar sociedade de comportamento e desenvolvimento sustentável, devemos trilhar ainda, um caminho de mudança na visão de mundo e de interação com a natureza."

 Dinalva Heloiza

O Brasil ainda vive um momento de incertezas com a pandemia do covid19, e junta-se a essas incertezas, a proximidade com as eleições municipais de 2020, dúvidas também, na  política pairam no ar. Enquanto as cidades desafiam seus gestores e aqueles que estão por vir com crescentes demandas, as quais surgem diante da necessidade de se estabelecer a construção de um cenário pós-pandemia.

Não é demais lembrar que, também as decisões políticas, interações e omissões pesam e permanecerão sobre nós. E o tempo exige que nossas escolhas estejam alinhadas ao compromisso que demanda dos futuros executivos e legisladores municipais, em estabelecer soluções norteadas por esse cenário. E o tempo urge.


                                                             Professora Maria Ester

Para conversar sobre esses temas e outros, convidamos a pesquisadora, Maria Ester de Souza que é uma das maiores autoridades em cidades e áreas urbanas em nosso estado. Natural de Goiânia, ela é professora do Dptº. de Artes e Arquitetura da PUC/Go; arquiteta; urbanista; doutora e mestra em Geografia Urbana; Conselheira do CAU/Conselho de Arquitetura e Urbanismo em Goiás e em breve, ela estará assumindo a presidência da ARCA – Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente. 


Gyn Go Cities - Uma das grandes lacunas das políticas públicas municipais, está relacionado ao desenvolvimento sustentável, principalmente em cenários como descarte do lixo, resíduos sólidos e logística reversa, Como você avalia essas questões?

Maria Ester - Para podermos nos considerar sociedade de comportamento e desenvolvimento sustentável, devemos trilhar ainda, um caminho de mudança na visão de mundo e de interação com a natureza.  As políticas públicas que indicam sustentabilidade estão postas desde 1988, com a Carta Magna.

Desde aquela década sabemos que o consumo desequilibrado dos recursos naturais nos levaria a um colapso, esse deflagrado com a pandemia da covid19, por isso avalio a questão como ausência de implementação, ou ação dos governos, das políticas existentes. O marco regulatório da legislação ambiental é ainda mais antigo.

É de 1981 a lei que trata da preocupação com os impactos das atividades humanas nos territórios e as medidas mitigadoras para minimizar os prejuízos da antropização (foi quando as regras do licenciamento ambiental começaram a ser delineadas). Respeitar essas leis já existentes é promover o desenvolvimento sustentável. As políticas públicas que tratam dos resíduos sólidos seguem essa lógica, basta que sejam aplicadas e que os governos se utilizem do conhecimento já publicado sobre o tema.

Quem sabe quando os governantes perceberem as vantagens econômicas da gestão completa dos resíduos (a logística reversa incluída) poderão compreender mais sobre os conceitos de sustentabilidade que as conferências mundiais sobre o ambiente divulgam há décadas. Para a grande maioria dos políticos a palavra desenvolvimento está atrelada a palavra “aumento”, “lucro” e geralmente vem acompanhada da devastação ambiental. São poucos os que já se atentaram para as vantagens dos programas de reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos.


Para imprimirmos desenvolvimento sustentável devemos também, rever nossa relação com o consumo exacerbado de descartáveis e plástico. Será preciso entender que o lixo que produzimos é energia, é produto e precisa de gestão.

Gyn Go Cities - A evasão escolar em Goiânia de crianças na faixa de 4 a 17 anos, segundo dados do UNICEF/UNESCO, de 2010 (não tenho dados mais recentes) tem sido na faixa de 22.600 – crianças fora da escola, qual sua orientação para esse cenário?

Maria Ester - Governar para crianças é, a meu ver, a saída para os problemas atuais e do futuro. A ideia de que a infância deve ser protegida e que os maus tratos a crianças podem ter consequências irreversíveis é relativamente nova, remonta ao século 20 e pensadores como Montessori e Piaget.

Se considerarmos o cenário de pobreza material à sequência de fatos que tem contribuído para que a pauta da educação esteja desaparecendo das prioridades de investimento do governo federal, não é de se estranhar o aumento de evasão escolar na faixa do ensino fundamental. Para uma criança pequena (antes dos sete anos) a escola deve ser lugar de acolhimento, proteção, desenvolvimento das primeiras habilidades motoras e, para isso, além de estar acessível, ou seja, estar próxima do local da moradia, deve acolher também os pais ou cuidadores. As relações que o grupo responsável pela direção de uma escola de ensino fundamental deve, portanto, ser ampliada para a família e não somente ao atendimento imediato da criança.

Propor um ambiente escolar com essas características significa pensar em uma gestão da educação como algo que vai além de contratar professores e/ou funcionários para fazer o serviço, mas também mudar a estrutura de funcionamento de todo complexo. Por exemplo, o horário de entrada e saída dos alunos menores devem combinar com o horário de trabalho dos pais ou cuidadores das crianças e a escola pode ser o lugar de lazer de todos em horários alternativos.



A estrutura física das escolas terá que se adaptar ao ambiente pandêmico e por isso espaços abertos deverão ser mais bem aproveitados. Se uma atividade educacional ocorrer em área aberta, dando visibilidade ao que ocorre no espaço escolar, ela poderá atrair a atenção e simpatia da família que, se sentindo acolhida, pode evitar a evasão. O aluno não deixa de frequentar a escola por si só, certamente essa é uma decisão conjunta.

Gyn Go Cities - Às vésperas das eleições municipais, e diante das propostas apresentadas pelos candidatos ao executivo municipal, você percebe sintonia dos mesmos, na relação que demanda esse cenário, e ao que está sendo proposto?

Maria Ester - O que observo nos candidatos a prefeitura é uma repetição do modelo de fazer a gestão, mas isso não significa haver uma sintonia. Dos 15 candidatos, cinco são deputados estaduais, um é senador, um deputado federal, uma vereadora, dois são professores da rede pública, e o restante vem do exercício de funções publicas recentes em governos de partidos diferentes dos que estão hoje concorrendo, ou seja, estão dentro de uma rede de relações emoldurada num modelo de fazer política e fazer gestão que aceita trocas, favores e se move pelas aparências.

Percebo que o que está sendo proposto, a exemplo do anúncio de tarifas mínimas ou tarifa zero para o transporte coletivo não está sendo bem explicado e podemos, ao contrário, assistir o valor da tarifa do TC subir em 2021 pela ausência dos subsídios prometidos pelo governo federal em função da pandemia.

As medidas prometidas para resolver o problema do TC passam pela articulação entre o consórcio de empresas, agência de trânsito municipal e, principalmente, por uma posição clara do governador do estado sobre decisões a serem tomadas com relação a estrutura de funcionamento da CMTC. Sozinha a prefeitura não poderá agir e sem a devida articulação e liderança do governador, não poderá fazer a gestão do TC na capital com a eficiência que tem sido prometida.

Outro exemplo de propostas sendo publicadas sem a devida seriedade é sobre a gestão da saúde pública. Os candidatos parecem não ter entendido que, daqui para a frente, será preciso falar sobre saúde e não somente sobre doença. Há um lugar comum que é a promessa de fazer mais hospitais, criar mais vagas, aumentar o sistema físico para receber doentes, ao passo que deveria ser priorizado o aumento do investimento em saúde.

Isso quer dizer que fazer política de saúde é fazer saneamento, cuidar da água, da coleta do esgoto e do lixo, das calçadas, da qualidade do ambiente urbano. Falar de saúde é cuidar da mente e do corpo para que ele não fique doente e para isso não é necessário fazer hospital, é necessário estruturar um sistema de saúde para que as pessoas aprendam a se cuidar, para que elas não fiquem doentes.

É claro que existem doenças que não podemos evitar, mas não é disso que o sistema está lotado, por exemplo, na procura por pediatra. Com a pandemia, os casos de tuberculose desapareceram, isso é um sinal de que podemos trabalhar com a gestão da saúde e não a gestão da doença. Ao contrário desse pensamento, os candidatos apresentam propostas para cuidar dos doentes, comprar remédios, construir hospitais... não está errado, mas também não fará muita diferença do que tem sido feito nas últimas décadas.

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