Dinalva Heloiza
O Brasil ainda vive um momento de incertezas com a pandemia do covid19, e junta-se a essas incertezas, a proximidade com as eleições municipais de 2020, dúvidas também, na política pairam no ar. Enquanto as cidades desafiam seus gestores e aqueles que estão por vir com crescentes demandas, as quais surgem diante da necessidade de se estabelecer a construção de um cenário pós-pandemia.
Não é demais lembrar que, também
as decisões políticas, interações e omissões pesam e permanecerão sobre nós. E
o tempo exige que nossas escolhas estejam alinhadas ao compromisso que demanda dos
futuros executivos e legisladores municipais, em estabelecer soluções norteadas por esse cenário. E o tempo urge.
Para conversar sobre esses temas e outros, convidamos a pesquisadora, Maria Ester de Souza que é uma das maiores autoridades em cidades e áreas urbanas em nosso estado. Natural de Goiânia, ela é professora do Dptº. de Artes e Arquitetura da PUC/Go; arquiteta; urbanista; doutora e mestra em Geografia Urbana; Conselheira do CAU/Conselho de Arquitetura e Urbanismo em Goiás e em breve, ela estará assumindo a presidência da ARCA – Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente.
Gyn Go Cities - Uma
das grandes lacunas das políticas públicas municipais, está relacionado ao
desenvolvimento sustentável, principalmente em cenários como descarte do lixo,
resíduos sólidos e logística reversa, Como você avalia essas questões?
Maria Ester - Para podermos nos considerar sociedade de comportamento e desenvolvimento sustentável, devemos trilhar ainda, um caminho de mudança na visão de mundo e de interação com a natureza. As políticas públicas que indicam sustentabilidade estão postas
desde 1988, com a Carta Magna.
Desde aquela década sabemos que o
consumo desequilibrado dos recursos naturais nos levaria a um colapso, esse
deflagrado com a pandemia da covid19, por isso avalio a questão como ausência
de implementação, ou ação dos governos, das políticas existentes. O marco
regulatório da legislação ambiental é ainda mais antigo.
É de 1981 a lei que trata da
preocupação com os impactos das atividades humanas nos territórios e as medidas
mitigadoras para minimizar os prejuízos da antropização (foi quando as regras
do licenciamento ambiental começaram a ser delineadas). Respeitar essas leis já
existentes é promover o desenvolvimento sustentável. As políticas públicas que
tratam dos resíduos sólidos seguem essa lógica, basta que sejam aplicadas e que
os governos se utilizem do conhecimento já publicado sobre o tema.
Quem sabe quando os governantes
perceberem as vantagens econômicas da gestão completa dos resíduos (a logística
reversa incluída) poderão compreender mais sobre os conceitos de
sustentabilidade que as conferências mundiais sobre o ambiente divulgam há
décadas. Para a grande maioria dos políticos a palavra desenvolvimento está
atrelada a palavra “aumento”, “lucro” e geralmente vem acompanhada da
devastação ambiental. São poucos os que já se atentaram para as vantagens dos
programas de reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos.
Para imprimirmos desenvolvimento sustentável devemos também, rever nossa relação com o consumo exacerbado de descartáveis e plástico. Será preciso entender que o lixo que produzimos é energia, é produto e precisa de gestão.
Gyn Go Cities - A evasão escolar em Goiânia de crianças na faixa de 4 a 17 anos, segundo dados do UNICEF/UNESCO, de 2010 (não tenho dados mais recentes) tem sido na faixa de 22.600 – crianças fora da escola, qual sua orientação para esse cenário?
Maria Ester - Governar
para crianças é, a meu ver, a saída para os problemas atuais e do futuro. A ideia
de que a infância deve ser protegida e que os maus tratos a crianças podem ter
consequências irreversíveis é relativamente nova, remonta ao século 20 e
pensadores como Montessori e Piaget.
Se considerarmos o cenário de
pobreza material à sequência de fatos que tem contribuído para que a pauta da
educação esteja desaparecendo das prioridades de investimento do governo
federal, não é de se estranhar o aumento de evasão escolar na faixa do ensino
fundamental. Para uma criança pequena (antes dos sete anos) a escola deve ser
lugar de acolhimento, proteção, desenvolvimento das primeiras habilidades
motoras e, para isso, além de estar acessível, ou seja, estar próxima do local
da moradia, deve acolher também os pais ou cuidadores. As relações que o grupo
responsável pela direção de uma escola de ensino fundamental deve, portanto,
ser ampliada para a família e não somente ao atendimento imediato da criança.
Propor um ambiente escolar com
essas características significa pensar em uma gestão da educação como algo que
vai além de contratar professores e/ou funcionários para fazer o serviço, mas
também mudar a estrutura de funcionamento de todo complexo. Por exemplo, o
horário de entrada e saída dos alunos menores devem combinar com o horário de
trabalho dos pais ou cuidadores das crianças e a escola pode ser o lugar de
lazer de todos em horários alternativos.
Gyn Go Cities - Às vésperas das eleições municipais, e diante das propostas apresentadas pelos candidatos ao executivo municipal, você percebe sintonia dos mesmos, na relação que demanda esse cenário, e ao que está sendo proposto?
Maria Ester - O que
observo nos candidatos a prefeitura é uma repetição do modelo de fazer a gestão,
mas isso não significa haver uma sintonia. Dos 15 candidatos, cinco são
deputados estaduais, um é senador, um deputado federal, uma vereadora, dois são
professores da rede pública, e o restante vem do exercício de funções publicas
recentes em governos de partidos diferentes dos que estão hoje concorrendo, ou
seja, estão dentro de uma rede de relações emoldurada num modelo de fazer
política e fazer gestão que aceita trocas, favores e se move pelas aparências.
Percebo que o que está sendo
proposto, a exemplo do anúncio de tarifas mínimas ou tarifa zero para o
transporte coletivo não está sendo bem explicado e podemos, ao contrário,
assistir o valor da tarifa do TC subir em 2021 pela ausência dos subsídios
prometidos pelo governo federal em função da pandemia.
As medidas prometidas para
resolver o problema do TC passam pela articulação entre o consórcio de
empresas, agência de trânsito municipal e, principalmente, por uma posição
clara do governador do estado sobre decisões a serem tomadas com relação a
estrutura de funcionamento da CMTC. Sozinha a prefeitura não poderá agir e sem
a devida articulação e liderança do governador, não poderá fazer a gestão do TC
na capital com a eficiência que tem sido prometida.
Outro exemplo de propostas sendo
publicadas sem a devida seriedade é sobre a gestão da saúde pública. Os
candidatos parecem não ter entendido que, daqui para a frente, será preciso
falar sobre saúde e não somente sobre doença. Há um lugar comum que é a
promessa de fazer mais hospitais, criar mais vagas, aumentar o sistema físico
para receber doentes, ao passo que deveria ser priorizado o aumento do
investimento em saúde.
Isso quer dizer que fazer
política de saúde é fazer saneamento, cuidar da água, da coleta do esgoto e do
lixo, das calçadas, da qualidade do ambiente urbano. Falar de saúde é cuidar da
mente e do corpo para que ele não fique doente e para isso não é necessário
fazer hospital, é necessário estruturar um sistema de saúde para que as pessoas
aprendam a se cuidar, para que elas não fiquem doentes.
É claro que existem doenças que
não podemos evitar, mas não é disso que o sistema está lotado, por exemplo, na
procura por pediatra. Com a pandemia, os casos de tuberculose desapareceram,
isso é um sinal de que podemos trabalhar com a gestão da saúde e não a gestão
da doença. Ao contrário desse pensamento, os candidatos apresentam propostas
para cuidar dos doentes, comprar remédios, construir hospitais... não está
errado, mas também não fará muita diferença do que tem sido feito nas últimas
décadas.
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