domingo, 25 de outubro de 2020

Entrevista com Maria Ester, pesquisadora das cidades e espaços urbanos - “Nossos governantes não souberam, e neste momento não se interessam, em conduzir o momento da pandemia em favor da vida. ”

Dinalva Heloiza

Nós do Blog Gyn Go Cities, iniciaremos uma série de entrevistas que serão publicadas toda a semana, com a professora Maria Ester de Souza, quando estaremos conversando sobre a cidade de Goiânia, e os setores que envolvem a necessidade e eficiência das políticas públicas, além do imperativo de um novo olhar do setor público para a cidade, no pós-pandemia, e temas especiais como arquitetura, urbanismo, mobilidade, distribuição de renda, dentre outros. 

Maria Ester é natural de Goiânia, professora do Dptº. de Artes e Arquitetura da PUC/Go; arquiteta; urbanista; Doutora e mestra em Geografia Urbana; Conselheira do CAU/Conselho de Arquitetura e Urbanismo em Goiás; e em breve será empossada, presidente da ARCA – Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente, ela é também pesquisadora e uma das maiores autoridades em Cidades e áreas urbanas em nosso estado.

                                          Maria Ester de Souza

Gyn Go Cities - Em 2020, Goiânia completa 87 anos, o que ocorre em um momento de desafio global do covid19, como você vê a cidade e suas urgências, diante desse cenário?

Maria Ester - Vejo a cidade como uma ameaça. Digo isso porque tenho receio de sair de casa em face da falta de responsabilidade dos governantes de tomarem medidas com relação a essa emergência sanitária.

A urgência está, portanto em sanitizar (limpar diariamente) a cidade, organizar seus fluxos e espaços abertos para usufruto da população, uma vez que os espaços fechados deveriam estar ainda limitados de funcionarem. 

A urgência está em usar esse momento de laboratório de novas ações experimentar novas formas de promover os serviços, o comércio, a educação e principalmente a gestão da saúde pública. Tudo o que fazemos pode ser repensado em sua forma de consumir insumos, energia e tempo de produção e, no caso da cidade, isso significa tornar a cidade um ambiente mais próximo da natureza. 

A urgência está em dar apoio a quem perdeu o emprego, a casa, a dignidade, ou seja, acolher aqueles que, mesmo antes da pandemia viviam em situação de vulnerabilidade e com esse cenário tiveram a piora na qualidade de suas vidas. São pessoas que estão indo morar nas ruas, casas de parentes, pessoas que dependem integralmente de um auxílio para sobreviver. 

Nossos governantes não souberam, e neste momento não se interessam, em conduzir o momento da pandemia em favor da vida. Estão ocupados em promover-se e manter o “status quo” para que seus amigos e familiares não percam as vantagens que a vida publica os oferece. Por essas e por outras vejo a cidade ameaçada e como uma ameaça ainda. 

Gyn Go Cities - Como você avalia o desempenho do setor político, diante das questões que emergem em Goiânia, nas últimas décadas? 

Maria Ester - Entendo que mantemos uma tradição colonialista e coronelista de fazer política. Nas últimas décadas fizemos o mesmo que nos últimos séculos (de república) foi feito, ou seja, passamos às mãos dos herdeiros e apadrinhados políticos, o poder de decisão sobre investimentos, sobre a estrutura legislativa e executiva; mantivemos o judiciário também atrelado ao poder econômico e isso tudo acontecendo numa sociedade fundada na escravatura. 

As questões que emergem em Goiânia são as mesmas de outras cidades grandes, capitais e aglomerações: lidamos com a violência urbana, com o congestionamento no trânsito, com a falta de moradia digna para os mais vulneráveis, com a tradição política dos herdeiros. Temos na gestão do executivo municipal um ator que se perpetua há 60 anos no poder e isso acontece porque ele mesmo forma seus sucessores intermediários, sejam eles governadores, senadores, vereadores ou executivos em instituições. 

O desempenho desses atores políticos é, portanto, benéfico a si mesmos, não atende aos anseios das inúmeras populações que vieram morar em Goiânia quando da formação da cidade, ocupando espaços de moradia com barracas e casas improvisadas. E esses são muitos e são os que se deslocam de transporte coletivo. Basta observar a qualidade desse modal na capital e constatar como a falta de investimento coloca a população usuária do transporte em último plano e os investimentos nas estruturas para o veículo individual (e geralmente na região sul da cidade) como pauta prioritária. 

Gyn Go Cities - Antes mesmo da pandemia, existia uma lacuna crescente no que tange as políticas públicas do município dirigidas ao setor do turismo, como você avalia essa omissão? 

Maria Ester - No imaginário dos políticos locais, turismo é algo que não se relaciona com atividades de serviços e lazer, mas sim a artefatos na cidade que podem ser vendidos como excepcionais, como é o caso de cidades antigas, suas igrejas, templos e paisagens naturais. A lacuna se estende quando a produção de arte também não é entendida como atrativo para fomentar o turismo. Somos uma cidade com uma produção de músicos, artistas plásticos, atores, bailarinos pouco comparáveis a outras capitais, isso pela presença de escolas de arte e música existentes na cidade. 

Se o gestor público entendesse a capacidade que os eventos culturais possuem de movimentar outros setores da economia, poderia entender do que se trata o turismo: hotéis, restaurantes, comércio local e mesmo serviços administrativos se movimentam junto com cinemas, teatros, palcos ao ar livre, praças, centros de convenções e os eventos de arte. A eles poderíamos somar os esportivos. 

A meu ver a omissão passa por duas vertentes: a ignorância e insistência em uma cultura sertaneja simplista sobre o que é a arte; a irresponsabilidade em designar a pauta a quem realmente entende do assunto, transferindo o investimento na área do turismo para outra sem maior relevância para a causa.

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