“Os gigantes da tecnologia que dominam o espaço público, tais como Google, Facebook, Amazon e X (antigo Twitter), circulam informações em um ambiente desprovido de valores”, diz Aidan White. © Jugoslav Vlahovic
Hoje em dia, os principais valores do jornalismo ético são mais importantes do que nunca, em meio à nossa luta por qualidade e democracia na mídia na era digital. Enquanto novas leis podem levar, potencialmente, à censura, é essencial haver um compromisso com a ética para construir uma relação de confiança com o público.
Por Aidan White
O jornalismo está mais dinâmico do que nunca. Hoje, o
negócio das notícias é cada vez mais rápido, sofre mais pressão e é
infinitamente mais complexo. A mídia aprendeu da pior maneira o quanto a
revolução da informação – com todas as suas qualidades libertadoras – é uma
faca de dois gumes.
Apesar de as mídias serem capazes de publicar histórias em
todo o mundo em questão de segundos, e de as comunicações terem o potencial de
construir comunidades mais fortes, mais informadas e mais comprometidas, os
modelos de negócios que financiaram o jornalismo no passado estão quebrados e,
em muitos casos, sem possibilidade de conserto.
Com menos dinheiro para pagar pelo jornalismo de interesse
público, as redações lutam para manter sua base ética. Problemas que sempre
estiveram no radar – viés político, influência corporativa indevida,
estereótipos e conflitos de interesse – agora são ampliados.
Os últimos 15 anos testemunharam um declínio dramático no
jornalismo de notícias, na medida em que a tecnologia alterou a forma de as
pessoas se comunicarem e o funcionamento da indústria dos meios de comunicação.
Hoje em dia, a maioria de nós lê notícias nos telefones celulares e nas
plataformas online que ficaram ricas explorando os dados pessoais do público e,
ao mesmo tempo, tomando espaços de propaganda lucrativos das mídias
tradicionais.
Repercussão entre jornalistas de todo o mundo
Milhares de veículos de notícias – principalmente jornais –
já fecharam. Dezenas de milhares de jornalistas perderam o emprego. O acesso
das pessoas a fontes confiáveis e seguras de informação se reduziu, na medida
em que as fontes de notícias tradicionais – particularmente nos âmbitos local e
regional – encolheram, apesar de o espaço para a liberdade de expressão ter
aumentado dramaticamente.
A Rede de Jornalismo Ético (Ethical Journalism Network –
EJN) foi criada há cinco anos para fortalecer o jornalismo no enfrentamento
dessa crise.
Como uma coalizão de mais de 60 grupos de jornalistas,
editores, donos de empresas do setor e grupos de apoio à mídia, a EJN promove
treinamento e ações práticas para fortalecer a ética e a governança. Seu
trabalho repercute junto a jornalistas de todo o mundo, seja desenvolvendo um
teste para jornalistas expondo o discurso de ódio e diretrizes para reportagens
sobre conflitos, ou produzindo relatórios sobre a cobertura das migrações.
Como a rede está enraizada na mídia, os relatórios
produzidos pela EJN, que cobrem vários países, gozam de credibilidade na área
jornalística, mesmo aqueles que revelam histórias não contadas sobre a
realidade do funcionamento da mídia e os desafios da autorregulação.
A EJN percebeu neste período de incertezas que, apesar do
clima político e econômico cada vez mais hostil, jornalistas de todo o mundo –
da Turquia, Síria e Egito ao Paquistão, China e Indonésia – se mantêm
comprometidos a relatar a verdade e a respeitar os princípios éticos.
Construção da confiança pública
Esse compromisso é um bem precioso em uma época de
transformações sociais, em que a cultura global das comunicações vem sofrendo
uma transição caótica. Para os que trabalham diretamente com a mídia e para
qualquer pessoa que lute em prol de comunicações seguras e sólidas no futuro, a
defesa e a promoção de um jornalismo ético se tornaram mais importantes do que
nunca.
Notícias falsas, propaganda política e corporativa e o mau
uso sem pudor dos recursos online são ameaças à democracia e
abrem novas linhas de frente para os defensores da liberdade de expressão,
formuladores de políticas e profissionais da mídia. Uma mistura tóxica de
tecnologia digital, políticas inescrupulosas e exploração comercial do novo
cenário das comunicações está criando fissuras de desgaste por todo o campo
mais amplo da informação pública.
Com isso em mente, a EJN promoveu um novo debate sobre a
necessidade de se reconhecer por que o jornalismo, que é limitado por seu
arcabouço ético, é essencial para a construção da confiança pública.
Percebemos que não existe um anseio generalizado por um novo
código de ética entre os meios de comunicação. Os valores centrais de exatidão,
independência e jornalismo responsável – que evoluíram ao longo dos últimos 150
anos – continuam a ser tão relevantes quanto nunca, mesmo nesta época digital.
Como diz a EJN, precisamos mesmo de uma nova parceria com o
público consumidor da mídia e com os formuladores de políticas, para
persuadi-los de que o jornalismo ético deve ser fortalecido, e que ele pode ser
usado como inspiração para novos programas que promovam a alfabetização
informacional.
Princípios fundamentais
Na atualidade, não são apenas os jornalistas que têm de ser
cuidadosos com a linguagem e respeitar os fatos. Todos os indivíduos que têm
algo a dizer na esfera pública de informação devem demonstrar alguma contenção
ética.
A EJN argumenta que os valores éticos do jornalismo, tais como comunicações com
base em fatos, humanidade e respeito ao próximo, transparência e
responsabilidade pelos erros, são princípios fundamentais que devem conduzir
qualquer pessoa, incluindo os usuários das redes sociais e os jornalistas
cidadãos. Porém, isso deve ser um processo voluntário, e não ditado por leis.
Preocupados com o mau uso dos recursos online e com as
notícias falsas, alguns governos, até mesmo de países democráticos, já
ameaçaram multar empresas de tecnologia que não tomam medidas para remover
informações maliciosas e perigosas quando estas aparecem em suas plataformas.
Isso poderia limitar as diferenças de opinião legítimas e a liberdade de
expressão – e é cada vez mais provável que isso aconteça, a não ser que essas
empresas resolvam agir em prol da ética nas comunicações.
O problema é que os gigantes da tecnologia que dominam o espaço público, tais
como Google, Facebook, Amazon e X, circulam informações em um ambiente
desprovido de valores. Eles não dão prioridade à informação como bem público,
como faz o jornalismo profissional. Para eles, o jornalismo compete de igual
para igual em seu marketing com outras informações, mesmo que
estas sejam maliciosas ou abusivas.
Uso de algoritmos para atrair cliques
Usando algoritmos sofisticados e bancos de dados ilimitados
que dão acesso a milhões de usuários, o modelo de negócios dessas empresas é
impulsionado por um objetivo simples: incentivar as “informações virais”, que
geram cliques suficientes para se tornarem veículos eficazes de propaganda
digital. O que importa não é se a informação é ética, verdadeira ou honesta; o
que conta é se ela é sensacionalista, provocativa e estimulante o bastante para
atrair atenção.
Ainda que sejam muito sofisticados, não é possível programar
robôs digitais para que tenham valores éticos e morais. Quem melhor pode lidar
com questões éticas são seres humanos conscientes – jornalistas e editores bem
treinados, informados e responsáveis.
Depois de escândalos recentes – como a indignação por causa
da censura de fotografias icônicas, a transmissão ao vivo de atos de tortura e
assassinatos e com as grandes corporações reclamando que suas propagandas são
colocadas em sites que pregam o terrorismo, o ódio e o abuso de menores – as
empresas de tecnologia prometeram tomar atitudes. Porém, pode-se questionar:
isso será suficiente?
No dia 3 de maio de 2017, o dono do Facebook, Mark
Zuckerberg, prometeu empregar 3 mil revisores de conteúdo, que irão se
juntar a uma “equipe de operações da comunidade” de 4,5 mil pessoas que existe
na empresa, depois da indignação decorrente da transmissão de uma série de
vídeos violentos de assassinato, suicídio e estupro coletivo.
Considerando que a base de usuários do Facebook é de quase 2
bilhões de pessoas, isso significa que existe por volta de um revisor de
conteúdo para cada 250 mil usuários. É uma pequena fração do que seria
necessário para monitorar e controlar o aumento de conteúdo antiético e abusivo,
assim como os perigos de certos tipos de propaganda ideológica e notícias
falsas.
Tirar vantagem da privacidade das pessoas
Uma resposta simples seria as empresas de tecnologia
aceitarem seu papel como editores e publishers, na era digital e
usar os recursos do grande contingente de jornalistas éticos e bem informados
que foram levados ao ostracismo pela revolução da informação. Sabemos que eles
podem arcar com esses custos: no início de 2017, noticiou-se que o Facebook
valia por volta de US$ 400 bilhões, e que o Google vale mais do que US$ 600
bilhões. Estão entre as empresas mais ricas do mundo.
Enquanto formuladores de políticas e magnatas da tecnologia
expressam preocupação quanto a essas questões, o uso de tecnologia por
políticos inescrupulosos para sabotar a democracia e interferir em eleições
aumenta a cada dia. Além disso, as notícias falsas em torno de mentiras
maliciosas são parte dessa estratégia.
Recentemente, a crise foi destacada por sir Tim
Berners-Lee, inventor da rede mundial de computadores (world wide web).
O cientista e acadêmico britânico advertiu que o mundo online está
sendo tomado por governos e por corporações digitais, e que a exploração da
privacidade das pessoas está sugando a vitalidade da internet.
Sua crítica destaca a ameaça perturbadora e perniciosa do
marketing das informações falsas na política.
Em uma carta aberta (de 12 de março de 2017, o
aniversário de 28 anos da rede), Berners-Lee escreveu sobre as eleições de 2016
nos Estados Unidos: “Até 50 mil variantes de anúncios vão ao ar diariamente no
Facebook, uma situação praticamente impossível de ser monitorada. E há
sugestões de que algumas propagandas políticas – nos EUA e em todo mundo –
estão sendo usadas de maneira antiética, para direcionar os eleitores a sites
de notícias falsas, por exemplo, ou para incentivar as pessoas a não irem às
urnas... Isso é democracia? ”
Desmascarar notícias falsas
É uma boa pergunta, que também
foi feita na França na véspera das eleições presidenciais no país em maio de
2017, quando hackers despejaram online milhares
de arquivos confidenciais de e-mails, muitos deles falsos, ligados
a Emmanuel Macron, que acabou sendo eleito.
Essa montanha de informações não pôde ser examinada, verificada ou descreditada
por jornalistas, porque as leis francesas proíbem a discussão pública de
informações sobre a eleição nas últimas horas antes de as pessoas irem votar.
Porém, isso circulou livremente pelas mídias sociais.
O processo de reportagem é difícil e acelerado, mas o jornalismo ético assume a
responsabilidade por seus erros. Mais importante ainda, por ser fundamentado em
fatos e ter um propósito cívico, ele também pavimenta um caminho para que as
políticas possam construir um espaço público de informação seguro e confiável.
Publicado originalmente em The UNESCO Courier - Por Aidan White
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Bem Vindo ao Blog Gyn Go Cities