terça-feira, 10 de novembro de 2020

"Em Goiânia, a minha sugestão é que tanto os novos legisladores, quanto o futuro executivo municipal que ocuparão seus cargos em 2021, que busquem o diálogo com a comunidade." Maria Ester, autoridade em cidades em Goiás.

Dinalva Heloiza

Goiânia, é uma cidade que vive problemas recorrentes, e esses, se ampliam cada vez aprofundando incertezas e a desigualdade, que se estabelece em decorrência da falta de políticas afirmativas, e mais recente com a crise do covid19, os futuros gestores que assumirão em 2021, não podem manter essa postura omissa que já se vê no cerne político da cidade.

Vivemos novos tempos, e esses exigem um novo olhar para a cidade, e exigem mudanças que efetivamente estabeleçam um novo cenário em qualidade de vida a população, com oportunidade e qualificação.

Com a proximidade das eleições municipais, mais uma vez convidamos a professora Maria Ester, uma das maiores autoridades em cidades no estado de Goiás, para apontar desafios e soluções que viabilizem essa necessária mudança, os quais ao menos minimizem os impactos da informalidade nos espaços urbanos, e ampliem a sustentabilidade dos ambientes em especial no centro da cidade

Maria Ester, é natural de Goiânia, professora do Dptº. de Artes e Arquitetura da PUC/Go; arquiteta; urbanista; doutora e mestra em Geografia Urbana; Conselheira do CAU/Conselho de Arquitetura e Urbanismo em Goiás e em breve, ela estará assumindo a presidência da ARCA – Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente. 

Acompanhe aqui essa entrevista:

 


Gyn Go Cities - Mesmo com a necessidade de ainda manter o isolamento físico, conforme   orientações da OMS - Organização Mundial de Saúde, devido a pandemia, o centro de Goiânia retomou perigosamente as atividades em vários pontos do mercado informal, a exemplo da avenida Anhanguera, Goiás, rua 4, Paranaíba e 44, como você orientaria essa questão tão polêmica?

Maria Ester - O aumento do comércio e serviços na “informalidade” é um cenário que vem sendo desenhado mesmo antes da pandemia. Coloquei aspas no termo pela nossa própria incapacidade de resolver a questão do trabalho formal considerando a enorme burocracia posta para isso. O aumento do número de pessoas com bancas e barracas nas calçadas e espaços públicos no centro da cidade, vem aumentando desde que as políticas públicas de desmonte dos direitos sociais foram sendo publicadas.

Com isso, a pandemia não inibiu muitos desses trabalhadores que buscam alternativas de renda no comércio de rua. E essa questão deve ser tratada, a partir da gênese do problema e não simplesmente relocando ou transferindo os ambulantes de lugar. Goiânia já experimentou o modelo de transferência de lugar desses trabalhadores, o que culminou com o surgimento de uma das maiores feiras de roupas e calçados do país e, mesmo com isso não impediu que mais bancas fossem solicitadas em locação. Será necessário então rever a forma como a mão de obra profissional tem sido tratada nas políticas públicas.

As pessoas que buscam uma alternativa de renda, no comércio informal de produtos, provavelmente não tiveram nenhuma oportunidade de se qualificar em alguma atividade (formal), mesmo nesse tempo de desemprego. Orientaria, portanto, a elaboração de políticas públicas de formação de mão de obra profissional para essa atividade (comércio). Mas devemos somar a isso a manutenção e valorização dos programas de transferência de renda, para que a população que se viu abandonada pelo desmonte das leis trabalhistas, possa viver minimamente durante esse período de crise.


Gyn Go Cities - As áreas da Feira-Hippie e o entorno da Rua 44, estão passando por uma longa restauração daquele espaço, e com elevado índice de impermeabilização do solo, quais os impactos você apontaria nessas ações, diante dos alertas ambientais e urbanos que demandam o cenário?

Maria Ester - O quadrilátero que engloba a região da 44 possui cerca de 250 mil metros quadrados, se somar a área da Feira-Hippie, mais 100 mil metros quadrados. Para se ter uma ideia, corresponde a um pouco mais do que a área de todo parque Lago das Rosas, setor Oeste.

As vias que fazem parte dessa importante área comercial estão localizadas a menos de 100 metros do córrego Botafogo. Com o córrego canalizado e suas margens reduzidas, a via de tráfego de carros individuais do ponto de vista ambiental, nos coloca diante de um desastre.

Além da impermeabilização de todo fundo de vale, APP do córrego, uma reforma que aumenta o volume de esgoto, resíduos sólidos, o que permite a escavação e impermeabilização de subsolos naquela localidade, só faria piorar as condições do microclima local.

Com a ausência de um projeto que olha para aquela localidade como um ponto comercial que conecta a cidade com o estado e com o país - (a principal rodoviária de Goiânia está situada na rua adjacente à Avenida 44), os impactos são negativos para além dos efeitos no meio ambiente urbano.

As condições de trafegabilidade das pessoas a pé, não são consideradas como prioridade de investimento em reforma ou requalificação, e assim, trabalhadores e usuários que frequentam o local correm riscos iminentes de atropelamento, quedas e até mesmo contaminação por esgoto a céu aberto. Cita-se com isso a falta de acessibilidade no local.

Esse modelo de gestão da coisa publica contribui para que a região faça sofrer quem mora e trabalha ali. Exemplo disso é uma lei que reformou o código de edificações em 2018, cujas emendas de autoria do vereador Anselmo Pereira, passaram a permitir construções sem que nenhum índice urbanístico precisasse ser estabelecido:

“Excepcionalmente para as novas edificações destinadas a uso misto... na tipologia de macroprojeto, localizadas no Setor Central ... e nas áreas delimitadas com arranjo produtivo local – APL... ficam estabelecidos os seguintes parâmetros:

I.           Índice de ocupação de 100% até altura de 14,50 metros...

II.         Não incidirão recuos frontais, laterais e fundo...

III.        Índice de 100% de ocupação até 32,00 metros desde que respeitados os afastamentos...;

IV.        ...

V.         Índice paisagístico de 25%... podendo ser utilizada cobertura vegetal não permeável;

VI.        ... uma vaga para cada 60,00 metros de área construída;

VII.      ...Parâmetros calculados pela área do terreno...”

Esse tipo de lei piora o cenário da urbanização do lugar pois estamos tratando a região central da cidade e a bacia do córrego Botafogo, com infraestrutura de drenagem da década de 1950.

Isso significa pensar que bairros como, Vila Nova, Leste universitário e Criméia também contribuem para o aumento do volume de água a ser drenado para o córrego. Com a quantidade de tecnologia existente sobre pisos drenantes, com toda a informação e legislação publicada sobre acessibilidade e sustentabilidade nas edificações e cidades, fica muito claro que projetos de reforma da região da 44, e as alterações das leis que incidem sobre o local são sempre em atendimento ao grande empresário construtor dos galpões de lojas e menos ao restante da população.

Gyn Go Cities - Qual sua sugestão para os candidatos em campanha, tanto ao cargo do executivo quanto ao do legislativo?

Maria Ester – Em relação a região central da cidade, minha sugestão é que tanto legisladores, quanto a futura gestão que ocupará o executivo municipal, que eles busquem o diálogo com a comunidade. Tanto a população, quanto as universidades e associações comerciais tem conhecimento da dinâmica do centro, e quais soluções poderiam ser colocadas em prática, para que todo o conjunto da sociedade possa ganhar em qualidade de vida.

A pandemia nos trouxe o desafio de modificar não somente nossa rotina, mas também, alguns postos de trabalho deverão migrar, assim como, outros tendem a desaparecer. Os gestores precisam se pautar nessa nova realidade do trabalho virtual, da mão de obra que usará computadores, tablets, smartfones para desenvolver atividades e, assim um leque de oportunidade de uso dos espaços do centro da cidade, poderão ser abertos.

Sabemos que o centro da cidade é o lugar onde a infraestrutura de urbanização é completa, entretanto algumas estruturas devem ser reformadas, à exemplo da fiação elétrica.

Mas é imprescindível, que ao fazer esse investimento e atrair usos diversificados para a região central, essa ação não poderá acarretar na gentrificação ou expulsão de quem contribui há anos com sua manutenção, ao contrário, todos os moradores e usuários que hoje sofrem com a precariedade das instalações de suas atividades devem ser os primeiros a serrem beneficiados com isenções de impostos, auxilio na manutenção e estímulo na conservação de atividades históricas. Cinemas, teatros, bares e restaurantes tradicionais devem ser reabertos com nomes e identidades originais para que um sentimento de pertencimento comece a fazer parte da população que vive hoje no centro.

Não devemos nos esquecer de que o centro reúne a maior quantidade de população em situação de vulnerabilidade, são famílias inteiras morando nas ruas, e por isso, um projeto de inclusão com moradia social e renda para essas famílias é urgente que seja iniciado.


 


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