Dinalva Heloiza
Vivemos os primeiros 25 anos deste Terceiro Milênio como uma espécie que insiste em se afastar daquilo que nos torna verdadeiramente humanos. O que era para ser uma era de avanço civilizatório, evolução nas relações e expansão do conhecimento, tornou-se uma travessia sombria, marcada por guerras intermináveis, polarizações extremas, indiferença à dor alheia e uma evidente falência ética.A palavra “humanidade” tornou-se cada vez mais uma abstração. Nossos comportamentos diários contradizem o sentido profundo que ela deveria carregar: solidariedade, empatia, respeito, compaixão. Em seu lugar, presenciamos o triunfo do egoísmo, da violência simbólica e concreta, e da superficialidade nas relações humanas.
O Caos Civilizatório que Construímos
Em tempos onde se esperava o
florescimento de uma sociedade mais conectada e consciente, o que temos é o
oposto: uma fragmentação do tecido social. Vivemos em bolhas ideológicas,
alimentadas por algoritmos e discursos de ódio. Irmãos se tornam inimigos. A
verdade é distorcida. O diálogo foi substituído pelo embate. A ética, antes
bússola das decisões humanas, hoje é relativizada, negada ou esquecida.
As guerras — que muitos pensavam
serem resquícios de um passado bárbaro — voltaram com força. Conflitos
geopolíticos ceifam vidas, dilaceram famílias, alimentam narrativas de
destruição e supremacia. Ao mesmo tempo, crises migratórias, fome, e pandemias
expõem a negligência dos que detêm poder e a vulnerabilidade dos que sempre
estiveram à margem.
O Abandono dos Valores e o
Vazio das Relações
Nunca estivemos tão conectados
tecnologicamente — e tão desconectados emocionalmente. As relações humanas são,
cada vez mais, breves, frágeis, utilitárias. A dificuldade de estabelecer
vínculos duradouros revela uma sociedade adoecida pela pressa, pela solidão e
pelo medo da intimidade. Em um mundo que valoriza o desempenho e o consumo,
amar virou um risco, e cuidar do outro, um peso.
Em substituição à convivência entre
seres humanos, cresce o apego a vínculos simbólicos ou idealizados. A onda de
bonecos reborn, por exemplo, é mais que uma curiosidade: é sintoma de um
vazio relacional profundo. O afeto transferido para objetos revela a
incapacidade de lidar com as frustrações e complexidades das relações reais.
A idolatria aos pets, por vezes
exagerada, e a crescente humanização dos animais também apontam para um
deslocamento do afeto. Claro, os animais merecem amor e cuidado. Mas o que
revela uma sociedade que prefere conviver com eles do que com seus próprios
semelhantes?
A Falência Moral do Século XXI
O século XXI inaugurou uma nova
ordem global, mas também uma nova desordem moral. A ética foi substituída pela
conveniência. A responsabilidade coletiva deu lugar à cultura do "cada um
por si". Os princípios que moldavam a convivência — como o respeito, a
tolerância, a justiça — foram soterrados sob o peso de interesses mesquinhos,
discursos de ódio, desinformação e vaidades desmedidas.
A pandemia da COVID-19 escancarou
a fragilidade de nossas instituições e a incapacidade de mobilizar uma
solidariedade verdadeira. Diante da morte em massa, muitos preferiram o
negacionismo à empatia, o lucro à vida, a desinformação à ciência. O que era
para ser um despertar coletivo foi, para muitos, uma oportunidade de aprofundar
divisões.
E o que nos espera?
Se continuarmos nesse caminho, o
destino é previsível: a ruína não apenas de nossa civilização, mas de nossa
própria essência enquanto humanos. Um mundo onde a ética é descartável, os
vínculos são frágeis e a empatia é escassa não pode prosperar. A humanidade
está se desumanizando.
Mas há esperança — se quisermos.
A reconstrução exige uma retomada de valores, um resgate profundo da ética como
pilar das relações e da vida em sociedade. Precisamos reaprender a dialogar, a
ouvir, a cuidar. Precisamos nos lembrar de que o outro existe, sente, sofre, e
importa.
O futuro será, inevitavelmente, um reflexo das escolhas éticas que fizermos hoje. Que ainda reste em nós a coragem de humanizar o mundo, antes que seja tarde demais.
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