Dinalva Heloiza
Vivemos tempos em que o autoritarismo deixou de ser uma sombra que ronda palácios de governo ou quartéis e passou a habitar, sem pudores, os espaços mais comuns do cotidiano: a fila do banco, a entrada de um aeroporto, uma simples conversa entre um chefe e um funcionário, ou até mesmo a postura de um cliente diante de um atendente. O autoritarismo social, esse comportamento que alimenta o sentimento de superioridade de uns em detrimento de outros, é hoje um dos sintomas mais tóxicos de uma sociedade adoecida pela desigualdade, pela vaidade e pela ausência de empatia.No Brasil, essa prática é ainda
mais visível, pois está entranhada em raízes históricas que misturam racismo
estrutural, patriarcalismo e uma desigualdade econômica brutal. O que poderia
ser apenas incômodo, tornou-se repulsivo e, mais do que isso, perigoso para o
tecido social.
O “Você sabe com quem está falando?”
A pergunta que ecoa como mantra
do autoritarismo revela o que está por trás desse comportamento: a crença de
que o poder — seja ele simbólico, econômico ou social — garante a alguém o
direito de dominar, humilhar e subjugar o outro. É a negação da humanidade
alheia. Quem pronuncia isso não quer apenas ser reconhecido; deseja que o outro
se sinta menor.
Essa lógica perversa se reproduz
em diversos espaços. Um exemplo corriqueiro e revelador são as portas
giratórias dos bancos, onde trabalhadores são frequentemente constrangidos ou
desrespeitados por quem acredita que seu status social o coloca acima das
regras ou do bom senso. O mesmo ocorre em filas de embarque em aeroportos, onde
a hierarquia do consumo — expressa em cartões premium e salas VIP — transforma
o ato de viajar em um ritual de reafirmação de poder. Ali, quem embarca
primeiro não é apenas alguém com prioridade logística, mas, para muitos, alguém
“melhor”, “mais importante”.
A desigualdade como estrutura da humilhação
Essa arrogância cotidiana não é
apenas fruto de má educação ou grosseria individual. É reflexo de uma estrutura
social desigual, que ensina, desde cedo, que quem tem dinheiro, cargo ou cor de
pele “melhor” pode mais. O Brasil, com seu passado colonial e escravocrata mal
resolvido, é palco constante dessa tragédia moral. Brancos que se acham
superiores a negros, ricos que se consideram mais valiosos que pobres, homens
que acreditam que mulheres devem obedecê-los — são todos protagonistas de uma
mesma peça: o teatro da dominação.
E nesse palco, os que gritam por
“igualdade” muitas vezes só o fazem até o momento em que ela ameaça seus
próprios privilégios. É fácil defender a justiça quando ela não mexe com seu
cargo, seu prestígio ou sua cadeira na sala VIP. Mas quando a igualdade se
torna concreta, o medo de perder a exclusividade do topo faz com que muitos
revelem sua verdadeira face.
Exemplos que escancaram a
lógica do privilégio
Casos emblemáticos, como o de um
jovem negro sendo barrado ao tentar entrar em uma loja de luxo, ou o de uma
empregada doméstica sendo destratada por “não saber seu lugar”, são apenas os
mais visíveis. Há também o cotidiano silencioso, mas corrosivo: o chefe que
humilha o funcionário diante dos colegas, o cliente que trata o garçom como um
serviçal sem valor, o professor universitário que desdenha da dúvida de um
aluno de periferia. São essas pequenas violências, muitas vezes naturalizadas,
que mantêm viva a chama do autoritarismo social.
A urgência de uma mudança de
mentalidade
É preciso reconhecer que esse
tipo de comportamento não é apenas falta de gentileza. É um problema ético e
estrutural, que alimenta o ódio, o ressentimento e a exclusão. Lutar contra o
autoritarismo cotidiano é, portanto, um ato político, uma escolha
civilizatória.
Essa transformação começa no
íntimo: reconhecer os próprios privilégios, ouvir mais, julgar menos, tratar
com respeito quem está em qualquer posição ou função. Implica também repensar
nossas instituições, nossos serviços, nossas práticas de consumo e nossas
relações de trabalho. E, sobretudo, exige coragem para enfrentar aqueles que
insistem em perpetuar a lógica da opressão, seja por medo de perder poder, seja
por puro vazio existencial.
Como sociedade, precisamos
urgentemente parar de aplaudir os arrogantes, os prepotentes, os que confundem
autoridade com autoritarismo, e começar a valorizar os que promovem o diálogo,
o respeito e a verdadeira dignidade humana.
Só haverá igualdade real quando não for mais necessário provar o próprio valor diante de quem se sente mais importante. E essa conquista é dever de todos nós.
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