Dinalva Heloiza
Moda gender-bender
A cotidiana evolução do ser humano, nos lembra as muitas
trocas que historicamente tem proliferado na área do gênero, e obviamente na
vida, mas muito especialmente o setor da
moda, vem contribuindo com um manifesto global, onde, durante o ano de 2015, as
maiores grifes do mundo demonstraram em suas coleções que já formaram uma
opinião no contexto dos gêneros, e de forma bem clara.
É a moda sem gênero, o gender-bender, genderless, ou moda unissex.
Este é um conceito, onde a moda brinca com os limites de gênero, e o mais
interessante é que isso ocorre há muito tempo, mas tudo indica que agora o
conceito está se firmando nos altos pilares da moda, em cenário internacional e
com grandes autores em cenário nacional.
Em 1920, por exemplo, a estilista Coco Chanel investiu um
estilo em sua produção, que até então, era exclusivamente para homens. Ainda em
1940, a atriz Marlene Dietrich explorava o guarda-roupa masculino, usando
calças compridas, terno e gravatas.
Coco Chanel
Marlene Dietrich
Já os anos 70, influenciaram e de forma gradativa o cenário dessa
história. Foi quando a forma de vestir, se tornou parte do manifesto contra o
sistema, era o início de uma revolução cultural. Nessa década vimos o
personagem andrógino de David Bowie, Ziggy Stardust, foi também nos anos 70 que
os homens voltaram a usar cores fortes, saíram dos armários as peças amarelas,
lilases, vermelhas, algo incomum desde os anos 20.
As peças começaram a ter um contexto unissex, ou seja, eram
produzidas para serem usadas pelos dois sexos, um exemplo disso, a famosa calça
boca de sino. Hoje, é cada vez mais comum,
encontrarmos homens na seção feminina, buscando uma perfeita Skinny, ou peças
mais ajustadas.
Em 2015, essa tendência esteve presente nos principais
desfiles, sobretudo nas passarelas direcionadas para um público mais elitizado,
com constantes referências internacionais.
No início deste ano durante a temporada masculina
internacional, o primeiro desfile da Gucci assinado por Alessandro Michele, chamou
atenção não apenas pela mudança em relação ao trabalho anterior feito por Frida
Giannini na grife, mas principalmente pela proposta de vestir homens e mulheres
com o mesmo tipo de roupa.
Moda Unissex - O estilo gender-bender
Ainda na temporada masculina internacional de Inverno 2016,
outra apresentação que chocou o universo fashion, foi a abordagem de Rick Owens
sobre a questão, bem mais polêmica, diga-se. Rick Owens, apresentou peças que
desmistificaram todos os valores tradicionais da virilidade e do vestuário
masculino ao apresentá-los na passarela com túnicas que deixavam os pênis à
mostra. O que foi traduzido por Laia Garcia, do Yahoo Style, como, “uma
tentativa sutil de quebrar as barreiras finais das formas aceitáveis de se
cobrir e mostrar o corpo masculino”.
Em um recente artigo para a FFW – Fashion For Ward, Mariana Pontual
escreveu:
Esse movimento, que vem sendo chamado de gender-bender
(além-gênero, em tradução livre) e foi colocado sob os holofotes atuais
especialmente por Michele e Owens, tem a ver com a ruptura dos estereótipos
sobre as formas tradicionais de gênero. “Saias para homens, ternos para
mulheres e as linhas que definiam o masculino/feminino vão se apagando. Mas a
discussão atual é bem maior e vai além”, observa a analista cultural Carolina
Althaller. Ela explica que essa, digamos nova fase da discussão sobre a
neutralização dos gêneros na moda eclodiu há cerca de cinco anos, quando o
modelo Andrej Pejic (hoje Andreja) começou a desfilar para coleções femininas
de ready-to-wear e Alta-Costura de Jean Paul Gaultier, uma das primeiras marcas
a apostar na sua imagem.
Andrej podia ser tanto um menino quanto uma menina. Depois
disso, Andreja chegou a subir em passarelas nacionais para a Ausländer e abriu
as portas para outros modelos transgêneros como a brasileira Lea T – que, vale
ressaltar, também contou com o valioso empurrãozinho de seu amigo Riccardo
Tisci, diretor criativo da Givenchy, para deslanchar sua carreira.
O varejo tem um timing diferente e geralmente necessita de
um tempo maior que as passarelas para incorporar mudanças de comportamento. Mas
dois exemplos recentes de importantes lojas internacionais mostram que o
gender-bender tem, sim, potencial para transformar a forma como consumimos moda
no futuro. O primeiro deles foi o catálogo de Verão 2014 da Barneys, que trazia
17 modelos transgêneros e contava a história pessoal de cada um no site. Já a
inglesa Selfridges realizou no mês de março o inédito Agender, projeto que
propõe uma nova experiência de compras sem a divisão das peças em seções
masculinas e femininas.
Mas, se a moda sempre ultrapassou as fronteiras entre
feminino/masculino (especialmente com a ajuda do mundo das artes, da música e
das celebridades), por que o movimento tem ganhado força agora? Para o
consultor criativo e de tendências Jackson Araujo, isso passa pelo fenômeno chamado
de transculturalismo, que salienta a fluidez entre as fronteiras culturais e no
qual não cabem mais definições pré-estabelecidas sobre papéis masculinos e/ou
femininos. “A cultura de consumo contemporânea, por exemplo, tem colocado em
choque as relações tradicionais de gênero e classe social”, explica ele. “Com
isso, o mapa de mobilidade social está sendo redesenhado em escala global,
garantindo novos valores para os espaços públicos, imagem corporal e classe
social, desafiando categorias identitárias anteriormente existentes. Basta
pensar na nova classe média, no acesso ao consumo de grifes. Ou nas festas de
rua, que ocupam o espaço público, colocando os cidadãos como protagonistas das
novas cidades. Ou ainda, nos avanços sobre a constituição de novos modelos de
família.” A tudo isso se soma ainda o poder engajador das redes sociais, que
empodera, une e dá força a essa dinâmica global.
Se internacionalmente marcas como JW Anderson, JNBY,
American Apparel, Rad Hourani, Yohji Yamamoto, Nicopanda e Gareth Pugh se
destacam no segmento gender-bender, a moda brasileira também tem alguns
exemplos relevantes, como lembra Araujo. Alexandre Herchcovitch, com seus
homens de saia e mulheres de atitude forte nas passarelas, Dudu Bertholini e
Walério Araujo, graças, inclusive, às suas imagens e posturas pessoais, além de
Fernando Cozendey. “Cozendey já fez casting com modelo gorda, transexual, gay
dando pinta, andrógino com genitália protuberante, mulher com perna mecânica…
Uma cartografia pulsante dos excêntricos, aqueles que são colocados à margem do
centro das discussões que a moda poderia proporcionar”, diz Jackson,
completando: “Por isso, este momento é relevante para a moda, que pode se
tornar mídia fundamental na inclusão de novos estilos de vida”.
Mas será o gender-bender uma tendência passageira? Carolina
acredita que não. “Creio que o Agender, da Selfridges, vai abrir um grande
espaço e trazer essa discussão para o mercado massivo. Ainda vai levar um tempo
para outras lojas adotarem esse conceito, mas é preciso ficar atento aos
desejos do consumidor, que cada vez mais busca representatividade nas marcas”,
observa a analista.
Independentemente de a tendência pegar ou não, o que
realmente vale destacar no movimento de neutralização dos gêneros é que, ao
sair da esfera das artes e das passarelas para ganhar o varejo, ele se aproxima
das pessoas e faz crescer a noção de que todas as classificações sociais
existentes – idade, gênero, nacionalidade – foram construídas e já não dão mais
conta da realidade. Logo, se as narrativas já existentes não traduzem mais o
mundo em que vivemos, então é preciso criar novas. E é muito positivo que a
moda sirva como tela em branco para, não apenas ser um retrato do nosso tempo,
mas também um agente de inclusão e promoção da diversidade.
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