Dinalva Heloiza
Em O Brasil dos Humilhados, o sociólogo Jessé Souza nos conduz por um Brasil que raramente é desvelado com tanta lucidez: o Brasil das distorções históricas, do pensamento sequestrado, da elite financeira que manipula narrativas para manter-se no topo à custa do povo que humilha. Numa linguagem acessível, mas carregada de contundência analítica, ele lança luz sobre uma das maiores farsas intelectuais da nossa formação social: a de que somos um povo inferior por natureza — mais corrupto, menos inteligente e moralmente falho em comparação aos povos do norte global.Mas Jessé desconstrói essa fábula
com precisão cirúrgica. A crítica que tece não se limita a uma denúncia moral,
mas se estrutura como uma verdadeira arqueologia do pensamento brasileiro. Ele
escava as raízes de nossa autoimagem e mostra como os intérpretes clássicos do
Brasil — de Sérgio Buarque de Holanda a Roberto DaMatta — colaboraram, ainda
que inconscientemente, para uma visão elitista e excludente de nosso povo. A
"tolice da inteligência brasileira", como ele ironicamente denomina,
foi posta a serviço dos 1% mais ricos, ocultando o verdadeiro motor da
desigualdade: a brutal concentração de riquezas e de poder simbólico.
Ao desvelar essa engrenagem,
Jessé nos convida a romper com o que chama de violência simbólica, termo
emprestado de Bourdieu, mas aqui adaptado para explicar a forma como o
brasileiro comum foi convencido de sua própria inferioridade. A inteligência
capturada por essa elite "do dinheiro" ajuda a perpetuar a ilusão de
que nossos problemas são culpa do "Estado corrupto" e não do mercado
excludente e explorador. Assim, naturaliza-se a desigualdade como se fosse uma
falha moral do povo — não como o projeto político-econômico de uma elite
parasitária.
Jessé também denuncia o papel da
mídia e das instituições políticas, de direita e de esquerda, nesse jogo. Onde
alguns, direta ou indiretamente, alimentam uma máquina ideológica que sustenta
o discurso de que o Brasil é uma nação sem futuro, composta por indivíduos
preguiçosos, desonestos e indolentes. Esse estigma serve não apenas para
humilhar, mas para desmobilizar, criando um país anestesiado que aceita sua
miséria como destino.
No entanto, a grande força do livro
reside em sua capacidade de nos resgatar. Jessé propõe que reocupemos a
linguagem, a interpretação, o direito de narrar a nós mesmos com dignidade. Ele
mostra que as sociedades centrais e periféricas não são tão distintas quanto
pensávamos. A dominação simbólica, a manipulação da verdade e a construção de
"mitos nacionais" são práticas comuns, embora aqui, no sul global,
sejam mais brutais e menos disfarçadas.
Ao reverter o olhar para a
realidade brasileira, O Brasil dos Humilhados se transforma em uma obra
fundamental para qualquer um que deseje entender o país além das aparências,
além das manchetes e dos discursos prontos. É leitura que incomoda, que abre
feridas, mas também aponta caminhos — caminhos que exigem pensamento crítico,
coragem e disposição para reinventar nosso lugar no mundo.
É, enfim, um livro que nos desafia a não aceitar o papel de massa subjugada e humilhada, e a construir, com consciência e resistência, um novo projeto de país — mais justo, mais nosso, mais verdadeiro.
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