quarta-feira, 20 de maio de 2015

Investimentos chineses na América Latina, quais interesses estão envolvidos?

 Dinalva Heloiza

Política e Economia

Em reportagem publicada hoje, e em dias recentes, a BBC Brasil em Washington, através de seus especialistas faz uma excelente análise dos acordos que estão sendo firmados entre China e países da América Latina, dentre eles, Brasil, Colômbia, Peru e Chile, em um giro com duração de oito dias.

O tour à América Latina, é do premiê chinês Li Keqiang e teve início nesta segunda feira (18/5), em agenda com a presidente Dilma, em Brasília. O encontro tende levar à um novo patamar a presença da China na região e reduzir o poder dos Estados Unidos, no aspecto de influenciar políticas em países latino-americanos, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil.


Em Brasília, os dois líderes fecharam 37 acordos em várias áreas, entre as quais infraestrutura, energia e mineração. Segundo o governo brasileiro, os acertos envolvem gastos de mais de US$ 53 bilhões, em torno de (R$ 160 bilhões).  

O principal investimento anunciado é uma ferrovia que pretende ligar a região Centro-Oeste ao Pacífico, atravessando o Peru. A obra facilitaria a venda de produtos brasileiros para a China, hoje feita a partir de portos no Atlântico, mas é necessário uma grande atenção à este projeto, pois a ferrovia pretende cruzar um longo trecho da Floresta Amazônica e do Cerrado Brasileiro, e neste aspecto, possivelmente o projeto enfrentará dura resistência de ambientalistas e grupos indígenas, os quais certamente serão afetados, sem mensurar os impactos à que estará exposta a própria floresta.



"Uma estrada no meio da Amazônia para atender ao mercado chinês (...) seria uma ilusão acreditar que não vai haver impacto", critica Paulo Adario, diretor da Campanha Amazônia do Greenpeace.
Adario observou, contudo, que "a ferrovia tem menor impacto do que a rodovia para o escoamento da produção" e defendeu que sejam feitos estudos para medir o impacto socioambiental da obra.

Também há desafios de engenharia e custos para a construção de um trem que cruze a Cordilheira dos Andes e desemboque no Pacífico.

Outro acordo firmado entre a Caixa Econômica e o Banco Industrial e Comercial da China criará um fundo de US$ 50 bilhões (R$ 152 bilhões) para financiar projetos de infraestrutura no Brasil, cerca de cinco vezes o valor da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

Espera-se que Li anuncie novos investimentos até o fim de sua viagem, no dia 26. Em janeiro, o presidente chinês, Xi Jinping, autoridade máxima do país, disse que Pequim investiria US$ 250 bilhões (R$ 759 bilhões) na América Latina na próxima década.

Além de ampliar a influência de Pequim na região, analistas avaliam que as ações também buscam amortecer os efeitos da desaceleração da economia chinesa, que força suas empresas a buscar lucros no exterior.

Para Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, a China tenta com a visita "desfazer o argumento de que vem para explorar o continente e criar uma relação de dependência" com países latino-americanos.

Uma das principais críticas à China na América Latina é a assimetria em suas trocas comerciais com a região. Os chineses compram principalmente matérias-primas de países latino-americanas, mas lhes vendem produtos industrializados, com maior valor agregado.

Ao diversificar seus laços com países latino-americanos para além do comércio e investir em áreas como infraestrutura, diz Stuenkel, a China reforça o discurso de que não busca apenas o benefício próprio na relação, mas integrar a América Latina à economia global.

"São ações que vão tornar a China um ator político e econômico na região por muitas décadas, e depois disso será impossível cortá-la da equação".

Entre as empresas chinesas que investiram no Brasil nos últimos dez anos, destacam-se JAC Motors e Chery (montadoras), Sinopec (petróleo e gás), Huawei (telecomunicações), Foxconn (eletrônicos), Banco da China (financeiro) e a Companhia Nacional da Rede Elétrica da China (energia). 

Recentemente, a Apex mediou a instalação da uma empresa de ônibus elétricos em Campinas – a primeira fábrica na América Latina da gigante chinesa BYD.

Mas o que estaria por trás do apetite bilionário chinês pelo Brasil?

Certamente, é de interesse do país melhorar a logística das nossas exportação, reduzindo os custos de produtos comprados em grande quantidade pela China, como soja e minério de ferro.

Apesar de a queda nos preços das commodities ter provocado um recuo no valor das vendas brasileiras para a China, o país manteve-se como principal parceiro comercial do Brasil em 2014, quando a corrente de comércio (soma de importações e exportações) foi de US$ 78 bilhões.

Questionado sobre se haveria também uma estratégia geopolítica da China no sentindo de ampliar sua influência na América do Sul, o embaixador Graça Lima descartou a existência de "uma agenda secreta" e minimizou uma possível perda de protagonismo do Brasil na região.

"Interessa ao Brasil que seus 11 vizinhos progridam, que tenham um grau de desenvolvimento que sirva para mais estabilidade, mais paz, mais segurança (na região). Nesse ponto, a China é vista como uma parceiro bem-vindo", argumentou.

Geopolítica

Para Charles Tang, porém, há sim uma intenção geopolítica, na medida em que a China busca a se contrapor aos Estados Unidos como potência global.

Esse é o entendimento também de Renato Baumann, diretor da área de Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada). "A China quer expandir suas áreas de influência e tornar o yuan uma moeda de referência global", afirma ele.

Com enorme volume de reservas internacionais, da ordem de US$ 4 trilhão, a China também busca diversificar suas aplicações.

Há anos já vem investindo na África, não sem alguma controvérsia, como por exemplo na construção de ferrovias cuja bitola só serve para trens chineses ou devido à prática de importar mão de obra chinesa para essas obras.

Investidores chineses já tentaram trazer mão de obra nacional na construção de umas das linhas de transmissão de energia da usina de Belo Monte, no Pará, mas foram barrados pela legislação trabalhista brasileira.

Sobre essas polêmicas, o embaixador Graça Lima disse que o Brasil "não é totalmente ignorante" e que o país estará atento aos riscos.

"Para isso que são requeridos mecanismo de acompanhamento, memorandos de entendimentos, que deixem muito claro que o se busca é um benefício equilibrado", garantiu.

Para Stephan Mothe, analista da Euromonitor International baseado no Rio de Janeiro, a crescente participação chinesa na América Latina reduz a influência dos Estados Unidos na região. Ele diz que, ao passar a contar com financiamentos de bancos estatais chineses, os países latino-americanos se tornam menos dependentes de organizações mundiais que operam na órbita de Washington, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

"Os Estados Unidos passam a ter menos alavancagem para pressionar esses países a adotar novas políticas” afirma Mothe, que morou na China por quatro anos.

Margaret Myers, diretora do programa de China e América Latina do Inter-American Dialogue, em Washington, diz que os chineses oferecem à América Latina e outras regiões um modelo alternativo aos financiamentos dos Estados Unidos e de órgãos mundiais tradicionais. 

Especialistas do modelo econômico chinês avaliam que os empréstimos de Pequim são mais sujeitos a desvios e ignoram boas práticas ambientais e trabalhistas.

A oferta global de crédito chinês deverá aumentar ainda mais nos próximos anos, quando começarem a operar o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que a China gerenciará com seus parceiros nos Brics (Brasil, Índia, Rússia e África do Sul), e o Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento (BAII), capitaneado por Pequim.

Analistas destacam outro aspecto da visita do premiê chinês. Em seu giro, ele deixará de lado aliados mais próximos de Pequim, como Venezuela, Argentina, Cuba e Nicarágua, e viajará a países com governos considerados mais moderados e identificados com os Estados Unidos.

Para Stuenkel, da FGV, a decisão busca mostrar que a China "consegue trabalhar com todos os lados" no continente.

Jaseon Marczak, vice-diretor do Adrienne Arsht Latin America Center do Atlantic Council, em Washington, lembra que três dos quatro países visitados por Li (Chile, Colômbia e Peru) integram a Aliança do Pacífico, bloco econômico lançado em 2012 e focado no comércio com a Ásia.

Os três países também integram as discussões para a criação da Parceria Trans-Pacífica (PTT), iniciativa econômica liderada pelos Estados Unidos e que exclui a China. Para Marczak, ao visitar Colômbia, Chile e Peru, o premiê chinês fortalece a posição de Pequim nesses países e no Pacífico latino-americano, contrapondo-se a eventuais riscos da PTT aos interesses chineses.

Mothe, da Euromonitor International, diz que os movimentos de Pequim na América Latina também são uma resposta às ações americanas na vizinhança chinesa. "É como se eles dissessem: se vocês não respeitarem o nosso quintal, não respeitaremos o seu".

Já Stuenkel, da FGV, avalia que a China por ora não tem interesse em desafiar os Estados Unidos e fará de tudo para evitar confrontos com Washington, já que teria muito a perder com um conflito.

E como os Estados Unidos têm reagido às ações mais recentes de Pequim na América Latina?

Para Myers, do Inter-American Dialogue, a expansão do modelo chinês de financiamentos e o possível enfraquecimento das organizações multilaterais arquitetadas por Washington preocupam autoridades americanas.

Por ora, no entanto, ela considera que a reação do governo americano às ações chinesas na América Latina tem sido discreta.

Um dos poucos pontos de atrito é a construção do Canal da Nicarágua, maior obra de engenharia do mundo, financiada por um empresário chinês. A obra está em fase inicial e pretende ligar o Atlântico ao Pacífico, tornando-se uma alternativa ao Canal do Panamá. Autoridades americanas afirmaram que falta transparência à obra e cobraram o governo nicaraguense a sanar preocupações com questões ambientais e fundiárias.

Mas de maneira geral, diz Myers, "o que ouvimos do Departamento de Estado (americano) é que o que é bom para a América Latina é bom para todo o hemisfério".

Para Marczak, do Atlantic Council, as ações chinesas na América Latina não ameaçam os interesses dos Estados Unidos diretamente. "É importante que a América Latina diversifique sua economia e se desenvolva, e os investimentos chineses podem ajudá-la a chegar lá".

O problema, diz ele, "é como esses investimentos serão feitos, o quão transparentes serão e se serão bons para as pessoas que deles precisam".


"Nos últimos anos a América Latina teve importantes avanços em transparência e democracia em resposta a demandas populares, e seria preocupante se os acordos com os chineses fizessem a região retroceder nesses campos."

Com informações da BBC Brasil e BBC Mundo.

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